
Onde se segurar? Sugestão: na ação vinda da consciência
Li outro dia uma matéria na “Isto É” sobre o conceito de “modernidade líquida” trazido pelo sociólogo polonês Zygmunt Bauman e achei fundamental tratar aqui. Sentar e pensar junto. Dividir com vocês, que tenho certeza, lá no íntimo, pensam sobre tudo o que estamos vivendo com certa desconfiança. Com a sensação de que algo está errado e que não sabemos exatamente o que é, ou se queremos realmente saber. E, por medo do tamanho do movimento que saber pode nos exigir, ficamos procrastinando nossa reflexão aberta, a discussão e a tomada de ação.
Modernidade líquida… É assim que Bauman se refere ao momento da história em que vivemos. Tempos “líquidos”, que mudam rapidamente. Tempos em que nada é feito para durar, para ser “sólido” ou perpetuar. Disso resultando, entre outras questões, a obsessão pelo corpo ideal, o culto às celebridades, o endividamento geral, a paranoia com segurança e até a instabilidade dos relacionamentos amorosos. Enfim, um mundo de incertezas. De cada um por si. De “agoras”, do imediato. Do progresso, antes entendido por nossos ancestrais como a melhora dos tempos, para o que para nós, em tempos líquidos, significa ser atropelado, engolido ou jogado para fora da vida, ou de um carro em aceleração, como ele mesmo fala. Tudo por falta de habilidades contemporâneas, roupas da moda, corpo perfeito…
Por não acompanhar o tanto de mudanças impostas pela liquidez das coisas, das ideias, dos valores e das pessoas.
Modernidade líquida
Pautados pelo agora, o longo prazo não tem mais valor, caiu de moda. O mundo das satisfações imediatas ridiculariza os atrasos e os esforços a longo prazo. E por isso, fica maquiada a preocupação com o futuro. Com o que será das nossas relações, do nosso corpo alimentado pelo consumo excessivo e pelo estica e puxa da velocidade imposta por estes tempos. Com o planeta, com a escassez da vida. Pensamos menos nos efeitos a longo prazo, e mais no que queremos para daqui até o final de semana. Para este verão, para a próxima temporada.
Bom, mas se as crises são inevitáveis, fica a expectativa quanto a nossa reação a elas. Esta que vemos tímida, e que se esconde na vida digital para não encarar de frente pessoas, relacionamentos, desafios e inabilidades reais nas quais precisamos evoluir a partir do enfrentamento. “Skills” realmente necessárias na construção de relações e negócios duradouros e um mundo melhor e de vida longa.
Que oportunidade de reflexão para o final deste ano desafiador de 2018. Deste ano líquido… Neste que, em seu final, pouco vemos sinais de solidez, de consolidação de ações, de promessas. De cultura e de conhecimento. Ano no qual um monte de gente sabe tudo, e se propõe a melhorar quase nada. Mas essa seria uma leitura pessimista e eu sou uma otimista. E por isso, trago este assunto para virarmos juntos um ano diferente. Com mais profundidade, pensando mais sobre o que lemos, o que somos, como nos comportamos e o que queremos para o nosso futuro e dos nossos filhos, netos, sobrinhos, crianças da rua, quem você conhece que viverá ali na frente, solto neste mundão.
Estranho, líquido e instável. Este que se apresenta fluído, retroalimentado pelo nosso interesse e disposição também fluídos, superficiais e imediatistas.
Tudo virou produto
Até pessoas. Estas que seguimos no Instagram, das quais compramos ideias, roupas, estilo, comportamento. Gostamos delas enquanto são bonitas, interessantes, enquanto falam o que queremos ouvir. Quando deixam essa posição de perfeição por qualquer motivo, trocamos de objeto de desejo. Seguimos outra pessoa. A descartamos. Fácil assim, como é a vida digital. Não precisamos dar explicações nem sobre a nossa chegada, nem sobre a nossa saída. Seguimos e deixamos de seguir. Líquido assim.
Assim são criadas também doenças modernas para remediar com algo produzido para alimentar a máquina do consumo. Da beleza, da saúde, da segurança, do perfeito e raso agora. Uma fonte inesgotável de lucros comerciais, mas cheia de terror e medo. Cheia de dificuldade de pensar ali na frente. De falta de criatividade para criarmos coisas duradouras na vida. Relações que nos exijam empatia, cuidado. De produções que nos engajem de verdade a propósitos reais de vida. Daqueles que não perdemos de vista. Pelos quais nos arriscamos, nos doamos com empenho e felicidade por longo tempo.
Estes, de verdade, não são líquidos. Estes temos lá no fundo, dentro da gente. Naquele consciente refém dos “tempos líquidos”, mas que já espia pela fechadura da porta. Já o reconhece e sabe que não nos levará longe.
Para o futuro
Então desejo pensamentos e sonhos sólidos. Profundas reflexões. Lindos entardeceres e amanheceres em família. Fluentes e prósperos momentos de criação em equipe. Todos focados em presentes e futuros fortes. Consistentes. Cheios de certezas quanto aos nossos desejos e objetivos, de caminhos a percorrer. Estes que nos mantem em aprendizado e evolução constantes. Que nos mantem caminhando e conquistando. Sendo felizes com o que ganhamos e enfrentando nossas perdas. O imperfeito. O envelhecimento. O legado. Pois dedicação e esforço nessa direção podem ser grandes prazeres.
Enfim, que possamos construir neste final de 2018 caminhos e sonhos consistentes, profundos e reais, pautados em passos, para um 2019 sólido. Sem saltos e fins abruptos. Sem a busca pela perfeição. Mas por propósitos de vida. Vida esta, que nos dá estrada para andar preferencialmente devagar, sentindo-a.
Pois de acordo com esse sociólogo massa que nos propôs este pensamento, “a árdua tarefa de compor uma vida não pode ser reduzida a adicionar episódios agradáveis. Pois a vida é maior que a soma de seus momentos”. Quem sabe uma jornada de evolução e conhecimento? Só experimentando viver, de verdade, para saber…
Juliana Silveira é co-founder da Dtail Gestão de Conteúdo e criadora do blog New Families, onde escreve semanalmente com um olhar de sensibilidade única sobre o recomeço da família após o divórcio. É também autora do livro Divórcio: A Construção da Felicidade no Depois.