Primeiro mundo em Porto Alegre, será?

Primeiro mundo em Porto Alegre, será?

Ouvi uma vida toda meu pai dizer que em primeiro lugar vem o trabalho, pois é ele que viabiliza o conforto da família. Que sem o sucesso nesta área, eu não seria nada para filhos e companheiro. Pois a vida seria miserável, não teria estampada a marca da minha contribuição de mulher e mãe forte. Capaz de prover. E assim cresci. Isso nunca teve muito sentido para mim. Nem quando não era mãe. E o tema foi motivo de inúmeras discussões de valores entre nós.


Na minha primeira experiência como mãe, era empregada na área comercial de uma instituição. Voltei da licença maternidade ao trabalho com uma bebê de pouco mais de três meses, em pleno inverno. Por sorte a empresa me oferecia uma creche excelente para os filhos dos funcionários, o que me propiciou continuar com a amamentação. E não fosse o benefício que as funcionárias tinham nesta instituição onde trabalhei, teria que ter desmamado a minha filha ou largado o emprego. Um verdadeiro abismo entre as minhas alternativas. Uma escolha injusta para uma profissional e ainda pior para uma mãe. Era ela ou a viabilidade da nossa casa. Parece drama, mas não é. Vivia um casamento onde dois contribuíam na casa, e a manutenção da nossa estrutura também dependia dos meus rendimentos, como ocorre em inúmeros lares brasileiros. Isso, é claro, além da minha realização pessoal de produzir intelectualmente, uma necessidade para mim.


Momentos de Transição

Então, apesar de morrer de pena de tirar aquela bebê da cama tão cedo todos os dias, para uma jornada de quase doze horas na rua, entre saída e chegada em casa, ainda éramos parte de um grupo privilegiado. Mesmo considerando as duas cirurgias que a pequena passou por conta do excesso de otites e inflamações respiratórias por, tão pequena, ser exposta à rotina de trabalho da mãe, ao famoso “expediente de trabalho”.


Na minha segunda experiência, aproveitei o período da licença para uma transição profissional. Nesta ganhei seis meses com o meu filho. Até viabilizar com ele uma adaptação sadia na creche, maiorzinho, por menos horas, e com visitas esporádicas para uma mamada ou outra, já que o meu novo desafio ficava a poucos minutos da escolinha e me permitia certa flexibilidade. Pelo menos durante seus primeiros dez meses. Após este período, retomei o ritmo de trabalho e mantive meus filhos o dia todo na creche. Como fazem várias famílias.


Anos se passaram e agora vivo a minha terceira experiência. Em plena licença maternidade me permiti, mais madura, a pensar outras alternativas, a sair da caixa. A buscar formas melhores para a nossa relação. Minha e dos meus filhos. Desse presente que é termos uns aos outros. E minha e do meu trabalho, tão importante para mim. E a partir desse desejo, passei a desenhar formatos de vida que me permitissem estar mais com eles e, ao mesmo tempo, produzir satisfação e realização profissional nos meus projetos, na minha profissão. Porque isso importa, isso é claro.


Alternativas e Produtividade

Meus sobrinhos, outro dia, de carona comigo da escola, me questionaram sobre o porquê de eu não usufruir do tempo possível em casa com a minha pequena, com as crianças. Me disseram que estou protegida pela lei. E que isso é o melhor para nós. Que em países de primeiro mundo este tempo varia de um a dois anos e meio. Simplesmente porque é importante. E eles têm só treze anos…


Por que precisa ser assim? Por que falar em direitos e lei, quando poderíamos falar de alternativas e produtividade? Por que contratantes, empresários e governantes não tratam esta realidade simplesmente porque é importante?


Estamos falando de crianças em formação emocional, que é base para o que quer que queiram ser na vida. Estamos falando também de mulheres, profissionais, plenamente capazes de responder a desafios, mesmo com turnos de trabalho alternativos. Porque sempre existem alternativas para quem tem o que dar, para quem quer produzir.


Primeiro Mundo

Então, trouxe o assunto pois abro um jornal de domingo outro dia e dou de cara com uma turma que está pensando por esta classe. A classe das mães e profissionais. Atentas, que querem fazer diferente. Que querem tentar e que acharam em suas vidas esta possibilidade. Montaram um espaço de trabalho coletivo, um cooworking, para mães. Com espaço kids, com cuidadoras, com lugar para amamentação, com a possibilidade de estar perto. Mãe e filho. E nesta paz, nesta tranquilidade de espírito, produzir. Trabalhar. Ser, como indivíduo. Ter uma atividade. Cuidar de si.


Isso é primeiro mundo para mim. O mais perto disso que já vi em Porto Alegre. Não deve ser por acaso que neste domingo o céu ensolarado sorria. Pois isso não é um passo, é um salto.


Juliana Silveira é co-founder da Dtail Gestão de Conteúdo e criadora do blog New Families, onde escreve semanalmente com um olhar de sensibilidade única sobre o recomeço da família após o divórcio. É também autora do livro Divórcio: A Construção da Felicidade no Depois.

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